29 de setembro de 2009

Amor

No asílo, Seu Ivo, grande galanteador por toda a vida, se engraçou com Dona Romilda. Ambos já passavam de 70 ou 80 anos de idade, não se sabe ao certo, porém conservavam, talvez pelo ar puro, jardim prefumado e colorido do lugar, uma jovialidade no sorriso que os tornava leves e belos como há 50 ou 60 anos atrás.
Naquele dia, já passados 13 dias do início do namoro - já estavam juntos há quase um ano, dizia ele que mal sabia que, na cabeça de Dona Romilda, não passava de um ficante - pois naquele dia, Seu Ivo, provavelmente entusiasmado pela paixão e pelo maravilhoso primeiro dia de sol daquela primavera, estava decidido a perguntá-la...
Passou a manhã toda caminhando na tentativa de livrar-se da ansiedade, queria logo o almoço, o cochilo da tarde e o chazinho das cinco. Aliás! Que ótima idéia! Chegaria na hora do chá! Dona Romilda mal poderia imaginar a empolgação que seu "latin lover" estava para encontrá-la.
Não cochilou, esperou o relógio bater três badaladas após o meio-dia e aproveitou-se da distração dos funcionários da casa para ir ao banho.
Barbeou-se, banhou-se, secou-se, perfumou-se, vestiu-se, olhou-se pela última vez no espelho. Olhou o relógio quando o mesmo badalou, badalou, badalou e badalou. Saiu do quarto e sentou-se na cadeira de balanço repassando metalmente seu plano. Cochilou. Acordou com a quinta badalada da hora seguinte. Levantou-se, ajeitou a gravatinha borboleta e saiu em direção ao quarto de sua amada.
- Boa tarde, Dona Romilda! fez ressoar sua voz sedosa, chamando-a pela janela.
- Oh, que surpresa! Não quer entrar para o chá, Seu Ivo?
- Adoraria saborear este chá de cidreira em sua presença, madame.
Dona Romilda sentiu um friozinho na espinha, daqueles que não sentia há 55 ou 65 anos atrás. Sentia que o relacionamento finalmente ficaria sério.
Sentaram-se saborearam o chá com algumas torradinhas. Sem trocar muitas palavras, apenas falaram pouco sobre o dia que passaram...
- Dona Romilda, preciso te contar que minha caminhada de cinco horas que iniciei logo que levantei foi porque estava ansioso.
- Ansioso por que motivo, Seu Ivo?
- Sabe, estive pensando em nós... Nós temos motivos pra dizer que estamos com muita intimidade, não é verdade?
- Sim... É verdade... respondeu hesitante.
Sem esperar muito para que ela terminasse sua resposta, achegou-se dela e beijou-lhe a face, ela nem sequer suspirou quando os lábios se tocaram.

2 de setembro de 2009

עדן ‎(Eden)‎

Deitaram-se.

A exaustão dos últimos fatos ocorridos no seu cotidiano apoderaram-se de seu corpo num clima israeli-palestínico.

Ela afagou-o com ternura, acariciou-lhe as costas na tentativa de fazê-lo relaxar como numa boa sessão de massagem.

Pressionava carinhosamente suas costas, alternando as posições entre a nuca, clavícula e omoplata. Ele continuava tenso. Muito tenso.

Ele então rompeu o silêncio relaxante que ela pensava estar promovendo dizendo-lhe coisas que ela, em seu contentamento de boa esposa que faz massagem, não deu muito ouvidos aumentando a intensidade dos movimentos, imaginando que agora sim o faria relaxar. Ledo engano, ela parecia ter esquecido que a questão Palestina-Israel era muito anterior a pré-existência desses nomes.

Insistiu em dizer a ela onde queria que a massagem fosse feita, insistiu em querer entender os motivos dela estar dispensando aqueles carinho etcetera e mais tudo o mais de etcetera e tal que isso poderia envolver.

Ela então viu que não tinha jeito, teria de usar sua arma secreta. Secreta até a ela mesma que se surpreendia a cada palavra que saia de sua boca e de suas mãos.

E as palavras foram exatamente estas:

“Relaxa... Relaxa, sinta o amor te invadir... Sinta o amor... Sinta a vida... Sinta nós... Sinta o reggae... Sinta Deus... Sinta a paz... Sinta um campo de girassóis... Sinta o jardim em que está... Cheio de rosas... Cheio de antúrios... Cheio de gérberas... Cheio de lírios roxos... Cheio de hortênsias... Cheio de girassóis... Com a Astrid correndo, pulando, brincando com as borboletas... E a Leka junto... A Tchuchuka! A Cindy! Que saudade... Imaginou?”

Que lugar gostoso... ele murmurou já numa guerrilha local.

Ela continuou num tom ainda mais sereno e tão doce que a mais hábil abelha não poderia dar ao seu mel:

“Imagine agora a luz brilhante que ilumina esse jardim... Imagine o ar que envolve e preenche cada espacinho desse jardim... Luz e ar se misturam e se confundem... Não se vê a luz, mas se vê porque ela ilumina... Não se vê o ar, mas se vive porque ele está presente... E eles se misturam, entranham-se um no outro indefinidamente, desapercebidamente... Não são visíveis, mas se pode senti-los... Você é essa luz... Eu sou o ar...”

Eu sinto agora... Ele involuntariamente hasteava a bandeira mais branca que a paz. Segiu-se um tempo, até que o efeito hipnótico começasse a dispersar e ele querendo voltar a guerra. Ela abraçou-o e colocou toda sua alma na voz:

“Esse jardim ainda não acabou... Há um pequeno lago bem no meio desse jardim... O calor, fruto da união da luz e o ar, é grande, deixa o tempo muito quente, numa temperatura tal que essa água lentamente se evapora, deixando o ar úmido... Sinta o vapor... Vapor que se condensa ao toque da pele, das folhas, flores, caules, condensa-se onde quer que se deite...”

É bom...

“Esse vapor é Deus...”